Morava no 7º andar de uma destas “torres” recém construídas em nossa Cidade. A varanda do seu apartamento de 450 metros quadrados, quatro quartos, três suítes e quatro vagas na garagem, voltada para o interior do condomínio, escancarava a alegria das crianças brincando na piscina que, naquela Sexta-Feira, parecia vermelha... parecia sangrar...
Era um dia muito triste na vida de Clarice (nome fictício). Achava que não tinha o amor do marido, sempre muito ocupado com seu “trabalho”. Já há tempos desconfiava que havia sido trocada por alguma “menina mais nova”. Sua filha, única filha, morava já há seis meses no Canadá. Realizava intercâmbio e, em sua última conversa com a mãe, pelo Skype, reiterou vontade de não mais retornar ao Brasil.
Sua única companhia naquela Sexta-Feira era seu cãozinho Lhasa de nome engraçadinho. Godinez. Mas nem ele parecia se importar muito com a cena de sua dona subindo em uma cadeira na varanda.
Não havia música. Apenas os berros das crianças na piscina. Clarice havia posto fogo em todos os CDs que lembravam seu marido. Nos CDs e no aparelho de som.
Em pé, sobre a cadeira, olhava para a área comum do condomínio. A fumaça do incêndio em seu apartamento já chamava a tenção das pessoas lá embaixo. Clarice já não conseguia produzir mais lágrimas. Chorava copiosamente desde a última “viagem de negócios” de seu marido, há dois dias atrás. Desde esta data, não comia. “Alimentava-se” bebendo tudo o que fosse destilado da adega climatizada de sua casa. Bebida comprada em “free-shops” dos aeroportos no mundo inteiro.
Clarice estava decidida !!
Ia se jogar de sua varanda, do sétimo andar, e acabar com todo aquele sofrimento, toda aquela saudade, toda aquela depressão, toda aquela gritaria de crianças felizes na piscina.
A essa altura, o eficiente zelador já havia esvaziado o deck e mandado as crianças para casa. Clarice nem percebeu o silêncio. Estava decidida...
O interfone tocava de forma ininterrupta e ensurdecedora...era o mundo que tentava salvá-la. Ouviu pancadas na porta. Ouviu seu celular tocar a música que marcava o início do namoro com seu marido e único homem de sua vida.
“Ne me quitte pas...” cantava Maysa...
Não deu...
Precipitou-se no parapeito da varanda...
A fumaça já começava a intoxicá-la...tossia como quem queria cuspir seus 21 gramas de alma...
Em pé no parapeito da varanda blasfemou...
“Por que me abandonastes...????”
Porta arrombada pelos vizinhos...
Com o susto, Clarice escorregou...
Arrependeu-se...repentinamente ficou sóbria...agarrou-se a um vão da sua varanda....gritos de desespero dos condôminos no deck foram ouvidos a centenas de metros...
Pediu perdão e ajuda a Deus...
Não queria mais morrer...
Prometia melhorar...
Não deu...não tinha mais forças para se segurar...
E caiu...
Pensou em Godinez que latia, triste enquanto caia...
Um barulho como um trovão ecoava pelos vãos do condomínio...
Morreu estatelada na piscina, sem crianças...
...

Ian McMorrison