Dizem que o juiz que casa a gente é o juiz de paz. Que paz, meus amigos, que paz, pergunto-lhes chacoalhando as mãos para o alto?!?!?
Há dois anos comprei um canário, o primeiro de uma série de dois, a quem dei o sugestivo nome de Altamiro (se você não entendeu, criatura cósmica singular, azar o seu, que está perdendo boa música...). Altamiro me foi vendido como um canário novinho, filhote, mas macho. "Chiquitito pero cumpridor!", prometera o dono da loja. Como paguei preço de fêmea, tudo bem: se não cantasse, ia acabar pondo ovos. Enfim, ou o caboclinho usava o gogó ou o fiofó. Mas tinha que cantar, que foi comprado pra isso.
Porém o tempo passava e o rapaz nada. Uns arrulhos aqui, uns gorjeios mal-acabados ali, e nada de entoar como o nome demanda. Comecei a olhá-lo de beirada, admirando-lhe apenas outras qualidades, que dia desses descreverei com pormenores, e a sua metódica vontade de tomar banho! Sim, senhoras e senhores, o pássaro fazia questão de tomar banho todos os dias e com água limpa, que ele não é de Araraquara.
Mas o que importa é que certa vez, ao mexerem nas gaiolas em dia de limpeza doméstica, Altamiro fora colocado ao lado do já falecido Cauby, esse sim um vozeirão de barítono italiano, e de Gonçalves, canário também muito bom que ganhei da nossa antiga secretária do lar. Gonçalves e Cauby passaram (sim, os pássaros passaram) a se estranhar, peitando-se nas paredes das gaiolas como chimangos e maragatos.
Espantada, a doutora dos olhos lindos de Valinhos resolve dar uma de bióloga e se lança aos testes: coloca o Gonçalves perto do Altamiro e paz; coloca o Cauby perto do Altamiro e paz; coloca o Gonçalves perto do Cauby e briga. Taxativa, conclui a meretíssima: "Esse Altamiro é gay!"
Incauta! O que não faz uma mulher para perturbar um homem, não é verdade? É capaz até de se casar com ele!
Pois bem, o desafio estava lançado. Cartas na mesa, armas escolhidas, restava-me renitir: "Calma aí, mulher, que o bicho é novo ainda. Do jeito que gorjeia, qualquer dia canta, que fêmea não faz nem isso." Mas o quê? A dona da pensão insistia e fazia questão de dar publicidade à sentença: "Esse Altamiro é gay!".
Entre os humanos, pouco se me dá que a azêmula claudique. Entre os humanos sabemos que uma fêmea, e até mesmo um homem assim meio fêmea, pode jogar futebol, carregar pianos, governar a cidade de São Paulo, cantar, dançar, compor, pregar botões, casar com o Ronaldo, e ninguém tem nada com isso, que o que interessa é o serviço pronto e bem feito; mas entre canários a coisa muda de figura: se for fêmea não canta e fim de papo!
O fato é que o tempo foi passando, o jiló foi sendo consumido e eu quase juntando o safado do canário pelos colarinhos, até que um dia... Altamiro resolve soltar a voz! Que beleeeza!, como diz sempre o Milton Leite. No melhor estilo, com requintes, floreios e falsetes, o amarelinho agora flauteia seu canto e enche a varanda, o jardim e os ouvidos da minha incrédula, boquiaberta e estupefata esposa, fazendo-a quase dobrar os joelhos e clamar chorosa pelo meu perdão.
"Está perdoada", aviso soberbo.
"Esse cara é besta", resmunga ela aqui ao lado...
Vicente Estevam Júnior
"Cerveja é a prova de que Deus nos ama e quer que sejamos felizes!" (Benjamin Franklin)
2 comentários:
Adorei! "...Enfim, ou o caboclinho usava o gogó ou o fiofó..." Simplesmente HILÁRIO!!!
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